Entrevista com o artista plástico Yutaka Toyota – Arte que une o Japão e o Brasil
Nesta décima sexta entrevista com personalidades no Brasil, apresentamos o artista plástico (pintor, escultor, desenhista, gravador e cenógrafo) YUTAKA TOYOTA. Conversamos sobre a sua vida e atividade na Europa, base de seu trabalho e surpreendente conexão entre o Japão e o Brasil, além de outras coisas. Somos gratos ao artista pelo tempo gentilmente concedido, nesta entrevista.
Entrevistador: Depois de vir morar no Brasil, o senhor foi para a Argentina. Qual o motivo?
― Um dos meus artistas favoritos era o argentino Lucio Fontana e fui procurá-lo em Buenos Aires. Ele era um dos que propagavam a corrente estética chamada “espacialismo”. A arte visual, a cinética, estava especialmente adiantada naquele país, e, mesmo quando eu ainda estava no Japão, queria aprender. Procurei-o de várias formas, mas não o encontrei porque tinha ido à Itália para abrir um ateliê em Milão. Como queria encontrar-me com ele de qualquer jeito, fui posteriormente atrás dele e pedi para ser parte do seu grupo de “espacialismo”. Foi nessa época que o tema das minhas obras se transformou em “espaço cósmico”.
Entrevistador: Então foi por isso que se mudou para a Itália?
― Foi. Só que no início fomos para a cidade de Firenze, porque havia amigos da minha esposa lá. Além disso, morava aquele que foi o primeiro diretor do MASP, Pietro Maria Bardi. Explicamos a nossa situação e, então, ele nos ajudou a encontrar uma moradia lá. Na verdade, Bardi administrava a Associação dos Bolsistas Brasileiros a pedido do jornalista e fundador do MASP, Assis Chateaubriand. Era uma ótima localização, num bairro nos altos do morro Fiesole, onde podíamos ver toda Firenze. Ficamos lá um ano.
Tive muita sorte na Itália. Frequentava um bar perto da famosa Academia de Belas Artes Brera de Milão e lá conheci outros artistas, como Enrico Castellani, Agostino Bonalumi, Paolo Scheggi. Castellani até me emprestou um ateliê antigo dele. Ficava no ponto final do metrô, tinha uns seis prédios grandes, e o espaço subterrâneo era emprestado aos artistas em sua totalidade. O aluguel era entregar ao dono apenas uma obra por ano, imaginem só! De fato, era esse o ambiente que se experimentava na Europa.
Entrevistador: No referido episódio se percebe a profundidade do acolhimento no mundo da arte, por parte dos italianos. Houve, depois disso, alguma outra oportunidade em sua vida artística lá?
― Em 1967, participei do 7º Premio Piazzeta, incentivado por Castellani, e ganhei em primeiro lugar. Entre Milão e Veneza há uma cidade chamada Bréscia, vizinha pelo lado oeste de Verona, famosa por “Romeu e Julieta”. Lá, abriram uma galeria de arte chamada Galeria Sincron, o que fiquei sabendo também graças a Castellani. Na noite de abertura da minha exposição, veio muita gente e foi um sucesso total. Tive muita sorte! E, assim, pensava em continuar trabalhando por lá. Mas, aí, recebi um convite, através do consulado brasileiro, para participar em 1969 da X Bienal Internacional de Arte de São Paulo (atual Bienal de São Paulo). Tinha que aceitar. Acabei ganhando o Prêmio Itamaraty e o Prêmio do Banco de Boston. A partir daí, recebi inúmeros convites de trabalho dos consulados no Brasil e na América Latina, e não pude mais voltar à Itália, de tanta obra. Como trabalhava representando o país, me naturalizei brasileiro.
Entrevistador: A sua arte foi bem aceita na Itália e no Brasil. Foi nesse tempo que o senhor começou a trabalhar também no seu país de origem?
― Isso. Aproximadamente em 1975, o Japão começava a melhorar economicamente. Na cidade de Tendo tinha nascido a primeira cantora que gravou um disco no Japão, Chiyako Sato (1897-1968), famosa por cantar músicas populares. Para revitalizar a cidade, decidiu-se construir um monumento em sua lembrança. Por essa época, conheci um curador do Museu de Arte de Yamagata, e tinha lhe apresentado arquitetos como Oscar Niemeyer e outros, quando veio ao Brasil. Lá, ele lembrando de mim, disse: “Tem um escultor que também nasceu em nossa cidade… Por que a gente não pede para ele?”. O convite chegou, fiz um monumento gigante, de bronze, o qual até apareceu na televisão japonesa NHK.
Entrevistador: Isso quer dizer que a sua primeira obra no Japão foi em sua cidade natal?
― Foi. Agora tenho 42 obras, aproximadamente, em todo o Japão. A maior de todas fica em Minato Mirai, na cidade de Yokohama. É um monumento construído como parte das comemorações do Centenário de Amizade Brasil-Japão. Visto de lado, ele parece um navio, com a proa apontando para o Brasil, porque Yokohama era o porto onde os imigrantes japoneses embarcavam, antigamente. Imaginem só, os navios naquela época demoravam 60 dias para chegar ao Brasil! Visto de outro ponto, o monumento parece ser um avião à jato. Por ser uma obra comemorativa dos 100 anos, quis representar, ao mesmo tempo, a época dos navios e dos aviões modernos.
Entrevistador: O senhor fazia as obras no Brasil e enviava-as ao Japão?
― Não, as do Japão eram feitas totalmente lá, porque, tecnicamente, os japoneses eram bem avançados. O meu ateliê ficava na empresa Tendo Mokko (do Japão), sendo o meu pai um de seus fundadores. Tinha uma filial em Taubaté, onde famosos como Oscar Niemeyer, Sérgio Rodrigues, entre outros, utilizavam o local para suas obras. Muita gente não sabe, mas os móveis da época da Fundação de Brasília eram quase todos fabricados na empresa Tendo Mokko (do Brasil). Os móveis do Senado e do Memorial JK, projetados por Oscar Niemeyer, por exemplo, são.
Entrevistador: Não sabíamos disso. É uma surpresa descobrir que havia uma conexão assim com o Japão.
― Tenho um episódio interessante, que se passou comigo e Oscar Niemeyer. Na época dos militares, ele tinha se exilado na França e lá criava móveis, e estava fazendo uma poltrona em forma de S, em aço.
Mas, olhem, o ferro era muito pesado, não dava nem para levantar. Daí ele veio me procurar, e perguntou se dava para fazer em madeira. Puxa, me assustei de início, porque a madeira pode quebrar. Tinha que ser uma tábua de aproximadamente 15 mm de espessura. Estou em apuros, pensei… Mas ele queria da mesma maneira, então fui pedir conselhos a Tendo Mokko. Os técnicos de lá pesquisaram, testaram; contudo, mesmo assim, todas quebravam no começo. Só que havia ali uns profissionais para lá de bons. Imaginem, na época da guerra começara a falta aviões lá no Japão, e a fábrica recebeu ordem para fazê-los com madeira! Então, eles inventaram a madeira compensada. Bem, desta vez eles grudaram, com uma cola especial, quatro tábuas finas, de modo que as fibras se alternavam, e pressionaram a máquina, conseguindo assim uma madeira bem fina, mas forte o suficiente para não quebrar ao ser dobrada. Fizeram a poltrona com ela, e foi um sucesso! Conseguiram fabricá-la a ponto de suportar um peso de 150 kg. Essas poltronas estão lá, até hoje, em Brasília. Tem muitas, especialmente no Memorial JK. Por ter havido esses feitos, teve muitos autores do Brasil que fizeram suas obras confiando nos serviços da Tendo Mokko.
Entrevistador: O senhor usou madeira em algumas de suas obras?
― No início fiz algumas peças em madeira. Aos poucos quis criar “algo que os olhos não veem” e, gradualmente, fui mudando para o aço inoxidável. Queria polir o material até conseguir o brilho de um espelho. Quando era estudante, por gostar, aprendi a técnica japonesa da pintura em laca e, vejam só, percebi que o fato de conseguir fazer brilhar o aço inoxidável, e o de fazer brilhar algo usando laca, é o mesmo princípio. Sinto que os diferentes elementos estão interconectados, para além do tempo.
Entrevistador: Qual é a sua relação pessoal com a Cerimônia do Chá?
― Como mencionei, ter aprendido a pintar em laca é um exemplo disso, mas acho que todas as artes estão interligadas. De fato, o mundo da Cerimônia do Chá é o universo em si. Penso que há muitas partes dela que se conectam com o tema do meu trabalho em arte.
Entrevistador: Finalmente, qual é a sua filosofia de vida?
― “Espaço cósmico e o ser humano”.
Março de 2019.
Do editor
- Yutaka Toyota tem uma obra na Praça da Sé, São Paulo, chamada Monumento Espaço Cósmico. Uma cópia idêntica desta obra pode ser vista no Parque Natural da cidade de Toyotomi, em Hokkaido.
- A empresa Tendo Mokko tinha uma filial na cidade de Taubaté-SP e fabricava móveis, levando em consideração a nobreza da madeira brasileira.
Abril de 2019