- A Paz Através de Uma Tigela de Chá -

O transcorrer do tempo: do Japão, em isolamento

Susaki Sôshô

A cidade de Mitaka, na periferia de Tóquio, onde se encontra minha residência, passa pela transição da primavera para o verão. O sol da manhã penetra até o fundo do estreito jardim, que é pequeno como a testa de um gato, e o vento que sopra da portinhola de madeira miúda balança as pequeninas folhas da nandina e as flores, que lembram grãos brancos de painço. Percebo que a luz do sol de hoje é mais reluzente que a de ontem, e a de amanhã será ainda mais, assim com o vento sopra mais forte. No final da tarde de um dia de verão, uma forte chuva atinge o jardim, e o gato sem dono que ali estava passeando partiu apressadamente.

Submetido ao home office, por causa do novo coronavírus, faz três meses, desde o início de abril, quando as cerejeiras começaram a despetalar, que estou em casa e observo meu jardim todos os dias. Naturalmente, é a primeira vez que passo por essa experiência. A minha humilde sala de seis tatames tem nure-en, uma varanda, e assim posso acessar o jardim em qualquer momento que desejar. Até cinco anos atrás, a área deste jardim era uma garagem de cascalho, para que a minha irmã pudesse levar e trazer os meus pais de carro, quando iam ao hospital. O meu pai e a minha mãe faleceram seguidamente e, então, o local ficou inutilizado. Um dia, decidi-me energicamente a reconstruir o jardim, com muito suor, e quando ficou pronto fui designado a me transferir para São Paulo, ficando sem oportunidade de contemplá-lo.

A shiran 紫蘭, orquídea Bletillastriata (foto 1), branca e roxa, que recebi de meu mestre de Cerimônia do Chá, de Kamakura, demorou para florescer, mas encantou meus olhos com suas flores, uma após outra, e, agora, terminada sua longa estação de flores, esconde-se na sombra das hortênsias, Ajisai 紫陽花.

Tsuyukusa 露草, Tradescantia virginiana (foto 2), cresceu delgada sem dar flores, e após um dia inteiro de chuva forte acabou tombando, mas, mesmo assim, oferece flores roxas frescas todas as manhãs. Com uma parte de folhas verdes claras, as pequenas flores brancas, que lembram o rabo de um pequeno tigre, e que certo dia cobriram a área qual poeira branca, são Hangesho 半夏生, Saururus chinensis (foto 3). E será que a Hototogisu 杜鵑, Tricyrtis latifolia (foto 4) se esqueceu de florescer?

A que tem um período de floração surpreendentemente longo é Yukinoshita 雪ノ下, Saxifraga stolonifera (foto 5). As pequeninas flores branquinhas, em sua haste fina como um fio, levantam-se entre as folhas em formato de coração, e lembram-me as lanternas do Festival de Kando.

Se pesquisarmos o termo japonês “utsurou” no dicionário de língua japonesa clássica, encontramos duas explicações principais. Uma cita que a flor perde a sua cor com o tempo, e a outra menciona a perda da aparência com a idade. Hoje em dia, quando dizemos mudança de estação, entendemos a mudança da estação no tempo. Mas, originalmente, “utsurou” sugere a sensação de algo que se desvanece. Sentir beleza nas flores que fenecem, representa uma característica da sensibilidade japonesa.

初瀬山うつろはむとや桜花色かはりゆく嶺の白雲
Hatsuse-yama utsurowamu to ya sakurabana iro kawari yuku mine no shirakumo
De Ietaka Fujiwara

(Decerto, as flores das cerejeiras na montanha de Hatsune fenecem, pois dão sinal de alvor as nuvens que em seu cimo as refletem.)

Assim pode ser a cerimônia do chá. A desenvoltura dos jovens é vigorosa e brilhante. Entretanto, isso também muda com a idade. Eu estou nos meus 65 anos. E desejar que meu desempenho não se torne gasto e menos colorido, ou seja, que a beleza da cerimônia do chá tenha um sentido mais profundo, além da tonalidade do tempo, seria devaneio?

Diretor Geral da Fundação Japão em São Paulo

 

Veja também

  • Shôgo Chaji de 11 de outubro

    Shôgo Chaji de 11 de outubro

    No dia 11 de outubro aconteceu o Chaji do meio-dia da anfitriã Hara, Kaori. Desta vez, o chaji foi feito no ro. O cardápio da refeição kaiseki também mudou e o tema na sala de ...
  • Shôgo Chaji de 06 de setembro

    Shôgo Chaji de 06 de setembro

    O Chaji do meio-dia de 06 de setembro, do anfitrião Valderson Sôchi de Souza, foi realizado na sala de chá Hakuei-an. Dessa vez, foi no estilo ryûrei, e o convidado principal foi Antonio Fabiano da Silva Santos, de Belo Horizonte. O Sr. Valderson é professor de Ikebana, ...
  • Shôgo Chaji de 16 de agosto

    Shôgo Chaji de 16 de agosto

    No dia 16 de agosto, foi realizado o Shôgo Chaji (Cerimônia do Chá Formal do meio-dia) do teishu Sr. Susaki, Sôshô. O foco máximo desta vez foi o segundo convidado Matsudaira, Yoshinobu de onze anos, um maravilhoso convidado ...
  • Shôgo Chaji de 9 de agosto

    Shôgo Chaji de 9 de agosto

    Nesse dia, o Shôgo chaji da anfitriã Verônica foi realizada na sala Hakuei-an. Com suas amigas, teve um momento de harmonia com o tema “amizade – yûjô” (友情). O que se segue são as impressões ...
  • Shôgo Chaji de 5 de julho

    Shôgo Chaji de 5 de julho

    No dia 5 de julho aconteceu o Shôgo Chaji que teve como anfitriã a professora Chaki Sôki. Vamos apresentar as impressões dos participantes. Desta vez, Chaki sensei, convidou-os com pensamento de『謝茶』shacha – “gratidão pelo chá”. Nele mostra o sentimento de felicidade ...

Última atualização

20/04/2024 - Relatório: 16 de março: Chakai na Japan House
01/04/2024 - 11. Abril (fim de verão) | Chashaku no mei – Nome poético da colher de chá
02/03/2024 - Notícias: Hakuei-an News
01/03/2024 - 10. Março (fim de verão) | Chashaku no mei – Nome poético da colher de chá
01/03/2024 - 22. Kuchi | Cantinho da Língua Japonesa
01/02/2024 - 21. Mie | Cantinho da Língua Japonesa
01/02/2024 - 9. Fevereiro (verão) | Chashaku no mei – Nome poético da colher de chá